segunda-feira, outubro 02, 2006

Reclamação

Que vírus este, aparece e reaparece, ando sempre a medir a febre, vivo na fronteira dos trinta e sete, curo a garganta, sinto-o na cabeça, ataco a nova dor, tenho uma pequena hemorragia, telefono ao médico da especialidade, faço análises, volta a febre, estou sempre cansada, tenho sono, alergias, muitas, não sei a quê, a papel, por exemplo, tenho herpes, rinite, à conta desta tomo muitos anti-inflamatórios, tenho dores de estômago, a ansiedade é causa ou efeito, já não sei, tenho medo, de tudo e de nada, tenho a mania das doenças, dizem, ou diz quem não anda sempre com febre, à mínima coisa, uma merdinha que seja, um pingo de água na cabeça, um almoço ao sol, uma reunião com ar condicionado, lá vem a febre, e o cansaço, e os anti-inflamatórios, e o medo, e a ansiedade, e o queixume, o meu, que se lixe, as análises sempre normais, e eu ando sempre cansada, de mais, sem análises que me valham, eu estou sempre zangada com o meu cansaço, eu nunca tenho a energia no corpo que a minha cabeça exige, eu acho que sofro de fadiga crónica, que peso nas pernas, que efeito secundário, que ritual esclavagista, a pílula, que ovários exigentes, eu ando sempre com uma febrinha, eu tenho sempre bom aspecto.
(Teresa P. e M., eu preciso de ganhar coragem para te falar sobre isto - eu sofro tanto que neste texto já escrevi "eu" perto de dez vezes - , sobre esta certeza que tenho de que os meus tecidos são uma porcaria. Eu preciso que me expliques por que é que uma pessoa que se trata bem anda sempre doentinha. Eu preciso mesmo que encontres uma forma de me fazerem exames de uma ponta à outra - talvez sob o pretexto de ser clinicamente irrecusável estudar um corpo jovem sempre febril sem razão aparente - e só depois de nada ser identificado - incluindo a fadiga crónica - poderei ficar fascinada com o poder da minha ansiedade. E condenada).

Sem comentários: