Lê: ninguém tem a coragem do deserto.
Procama essa coragem, mais: proclama essa vontade. Mas ningém tem a coragem do deserto. Inspira na recordação do não-deserto, sublinha a frase do presente: eu preciso de estar sozinha. Eis a mentira a ecoar em todas as mesas onde se senta. Porque ninguém tem a coragem do deserto. Nem ela, que se encolhe toda na segurança da não-partilha do seu espaço, crescendo a par da aparente escolha o espaço enorme de uma ausência: começa a chorar. Porque ninguém tem a coragem do deserto. O retrato trémulo de uma vida a comunicar nos olhos que lhe calharam na mesa de hoje. Um exemplo. Uma pessoa. Apaga depois o retrato e pensa: no dia em que o tivesse ao lado precisaria do silêncio que hoje me afoga. A insatisfação. O desígnio pendular. A noite em branco. A rotina da meia-cama. Nesta, com verdade, uma paz. No choro ocasional, um abandono. De alguém. Uma escolha: o deserto. Mas ninguém tem a coragem do deserto. Uma escolha manipulada. O deserto com ficções de não-deserto pelo meio: corpos que falam quase como que amados. Porque ninguém tem a coragem do deserto.
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