segunda-feira, dezembro 24, 2007

25 de Dezembro

Lembro-me de uma janela
Na Travessa da Infância
Onde seguindo os rumores dos autocarros
Olhei pela primeira vez o mundo

(José Tolentino Mendonça)

Entram-nos novos olhos pelas esquinas e não entendem a tristeza ou avisam-nos do egoísmo dela. Escondemo-nos numa sala nova, cheios de sorte, o sol muito intenso, livros por ler, e o oratório de natal de bach a fazer coisa nenhuma aos nossos sentidos. É muito difícil explicar aos novos olhos que dói muito ter uma dor que se tem porque se nasce com ela, porque, como já se disse, o mundo nos bate à porta, mas não entra, eu não consigo.
Quando há uma trovoada de palavras a dizerem-nos a causa da nossa alegria esperada, a dor dói mais, mais ainda, porque nós sabemos que na linha de cima da vida temos tudo e que esta dor só se explica numa linha nos subúrbios do traduzível, onde uma infância amedrontada numa pele mal vestida tantos anos, um desamor quando começou a palavra eu, uma solidão nas mesas com uma família de dezenas de pessoas, a tal sorte que nós temos, esta dor é assim. Tudo o que temos por que tantos dariam dá à dor uma nódoa de culpa, de culpa, e assim se vive num cilindro dentro de outro maior cheio de sorrisos e de amor invejado e nós no nosso cilindro de dor e de culpa e, claro, de medo, essa besta. A infância pode ser um quadro móvel, a mesa de Natal no dia 25, uma mesa feliz, que sorte a nossa, mas os anos levam-nos as pessoas, e Deus também, que ficam com o nome de mortos, pendurados nos nossos corpos, e hoje vê-se aquela mesa com os sons feitos ecos, porque de memória, e há uma mão que não agarra o sal que lhe passam porque morreu, essa e outra mão; a mesa da nossa infância, ao longo doa anos, vai ficando cheia de sombras, os nossos mortos, que surgem com muita força no Natal. É por isso que o dia 25 de Dezembro tem de bom apenas a promessa de um 26, é por isso que quem tem uma dor que nasce consigo e vive em cilindros de medo desequilibra-se até à quase loucura nesta época em que o trânsito, as luzes, ou os apelos na rua são apenas os gritos dos mortos que desocuparam as mesas da nossa infância. Para as ocuparem, hoje, como nunca.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

Ainda a primavera tão longe e pareceu-lhe sentir uma andorinha no novo parapeito da janela. Dirá: foste, tu, talvez. Ou: és tu, com olhos de azeitona.
Deitou-se no chão muito cansada e ouviu a voz desaparecida: hoje o teu medo é regressar ao medo, minha querida. Respira, respira, respira e não tenhas medo do medo. Esse teu corpo a tremer e essa tua vontade de gritar agarrada a uma fotografia é uma pequena queda num movimento que se dirige a uma promessa. Obedeceu, muito quieta. Agarrou tremendo um cigarro e um copo qualquer e chorou enfiada na pele dela, que dor a sua dor, que difícil não enlouquecer quando sente aquele abandono, quando refaz com o próprio corpo os gestos do outro corpo, muito só, com cigarros trémulos, também. Diz na sua boca a frase que já foi dela: eu sem ti ficaria sem um braço.
(dizemos a frase ao mesmo tempo: uno o som dessa tua frase de há anos ao som da mesma frase agora minha e pergunto: como faço para viver sem um braço, minha querida?)
Depois falou dessa voz desaparecida a uma pessoa que é verdade
(parece-me que ontem quem nunca te viu deu pelas tuas mãos pequeninas).
Foi uma andorinha, minha querida, uma primavera a entrar por aquele parapeito, a aterrar na minha almofada e a transpirar sem demónios na pele. Talvez não tenha dado pela contenção dos meus olhos, mas pousou a cabeça no parapeito do meu peito, senti o peso exacto na minha respiração e nem uma grade, minha querida, nem uma grade.

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Para a R.

In Paris With You

Don't talk to me of love. I've had an earful
And I get tearful when I've downed a drink or two.
I'm one of your talking wounded.
I'm a hostage. I'm maroonded.
But I'm in Paris with you.
Yes I'm angry at the way I've been bamboozled
And resentful at the mess I've been through.
I admit I'm on the rebound
And I don't care where are we bound.
I'm in Paris with you.
Do you mind if we do not go to the Louvre
If we say sod off to sodding Notre Dame,
If we skip the Champs Elysées
And remain here
in this sleazy
Old hotel room
Doing this and that
To what and whom
Learning who you are,
Learning what I am.
Don't talk to me of love. Let's talk of Paris,
The little bit of Paris in our view.
There's that crack across the ceiling
And the hotel walls are peeling
And I'm in Paris with you.
Don't talk to me of love. Let's talk of Paris.
I'm in Paris with the slightest thing you do.
I'm in Paris with your eyes, your mouth,
I'm in Paris with... all points south.
Am I embarrassing you? I'm in Paris with you.
(James Fenton)