segunda-feira, agosto 09, 2010

telefone

correu as ruas todas em redor do seu ofício: um pretexto, uma manicure ou manicura, ou como é que se diz, sabe lá, qualquer coisa que lhe beliscasse o corpo, talvez pelas cutículas lhe saísse o medo, antes que o medo vingue em terror; não tem hora marcada nem sabia que havia tanto sítio para limar as unhas nas ruas em redor do seu ofício, só com marcação, ouve, mas como se marca o final de uma dor?;
andou, andou, não pode correr, como lhe bate o coração e lhe sua o corpo inteiro, recorda-se de um cigarro e logo a seguir da memória do medo aumentado por um cigarro junto ao danúbio, olha para o cigarro e tem pena que não haja vício que lhe valha;
ou há?
- o que faz sem falar é um vício?
não, não;
sabe apenas que diz sempre que haverá o dia em que se lembrará deste dia, que se soma a tantos, mas quando vive uma das somas não aguenta nem mais um e resiste à salvação do telefone, dos números que sabe na ponta dos lábios ressequidos, nove, um, começa, desiste, deita o corpo no sofá que ficou em casa e despede-se de quem nunca se foi embora num pedido de perdão aflitivo.

quinta-feira, agosto 05, 2010

leste

- o que tens?
- tu.
- obrigado.
- pelo quê?
- vou então à minha cidade, tantos anos sem ver a minha cidade, tantos anos sem falar a minha língua e foram tantos os anos que a minha filha não pede afectos pelo telefone; quer uma cena moderna, electrónica.
- não pronuncias o nome da tua cidade, do teu país; fala-me na tua língua, sempre foram semanas a gritar com os gajos dos imigrantes.
- 58 dias, foi o que me disseram, não cumpri o prazo de dois meses, não é assim? dois meses para o meu cartão renovado, 8 anos em Portugal, dois dias ao telefone, o senhor está em lista de espera, assim fiquei, dois dias ao telefone, por isso 58 dias e dois dias fora do prazo.
- por dois dias ficaste um papel perdido nos corredores, sim, um bilhete de avião perdido, quantos ofícios feitos para esse bilhete?
(como é que se lambe lágrimas que não correm?)
- já está, novo bilhete, muitos gritos, vou à minha terra? que terra essa, que não vejo há tantos anos; ou é a terra que me não vê há tantos anos? não vou dizer-te o nome da minha cidade, para pensares nele como eu, muda; que queres que diga na minha língua?
- no domingo gostava de ir à tua praia secreta.
- (…………………….)
- que língua é essa? é russo?
- sim. porque os meus pais eram russos e foram ali parar. também falo a língua do meu país, mas a minha língua é russo.
- no domingo gostava que viesses comigo à minha praia deserta e que perdesses o peso de tantos anos nas mãos e que nadasses a ansiedade do rosto que a tua filha terá e que soubesses que a cena electrónica é um afecto que uma miúda distante conhece.
- falas inglês?
- sim.
- eu não.
- e então?
- gostava de falar.
- sabes dizer costas?
- sim.
- é muito.