quarta-feira, outubro 21, 2009

da intensidade

olha fixamente a mãe, esconde um coração que marcou cento e cinquenta num papelinho, cruza os dedos já sem peles, olha fixamente a mãe e diz: eu não quero falar nisso, nisto. tem uma análise mortal diante de si e insiste: eu não quero pronunciar-me sobre isto. chegou o tempo de não ser a minha vez; chegou o tempo de mudar de interlocutor.
fecha os olhos e senta-se, com 10 anos, no cimo das escadas. o pai pediu-lhe que falasse sobre o texto que escrevera na escola. muito bem escrito, filha. mas passa-se alguma coisa contigo? estás triste? por que é que descreveste com tantos pormenores uma pessoa a morrer lentamente nos braços da melhor amiga? viste alguma coisa na televisão?
este é o primeiro episódio. da sua intensidade.

domingo, outubro 18, 2009

parecendo um regresso

anda pela casa quando tu, meu amor, finalmente foste embora. chama-te de meu amor pensando no quadro que viu contigo, da Paula Rego, que se chama precisamente "Amor" e por isso inscreve-te naquele olhar, na sua história, uma tragédia: amem-me, sim?
anda pela casa, repousa um pouco, hesita quanto ao seu plano secreto, dele nada soubeste estes dias, fala ao telefone, grita o que te ocultou num sorriso hora após hora, grita, grita, grita. vai à cozinha e vê a sua mão decidir da escuridão daquele espaço: quanto tempo de vida, esta mão?
o seu corpo está quase imóvel. porém, rodou o pescoço e viu um vestido de noiva.
hoje o seu corpo seria outro.