domingo, outubro 22, 2006

Como a tua ilha

As janelas estão propositadamente fechadas. Vê-se assim o cinzento deste dia maldito a rodopiar em vento vindo sabe Deus de onde, um pássaro a atravessar o frio em esforço, as penas dele molhadas, a chuva oblíqua, o silêncio mortal do cenário para lá do vidro. Que feio, tudo, hoje, que pesado, nem as janelas encerradas e o fumo dos cigarros impedem o peso do dia, que pesa todo na cabeça, inflama a garganta, esmorece boas memórias, ataca o cobertor abandonado na cadeira de há uma semana. Que dia cheio de castigos, que dia não-dia, sem lareiras preparadas, que dia a paralisar-nos. Uma Escócia, de repente, uma ilha dela de que me falavas, onde o céu, como este, era só um, uma extensa nuvem, sem mutações, o cinzento uniforme, enorme, a colorir as águas, a cansar o olhar, a desnudar o mundo. Uma câmara não ardente, um frio de rachar, sem gota de sangue, esta manhã, meu amor, parece-me uma morgue, um laboratório sem espaço para sentir o que seja.
Talvez pudesses chegar e fechar as portadas, a visão do mundo, restaria o sintoma dele nas nossas gargantas, e apertar-me as horas todas deste anúncio bíblico.
Hoje é dia de antigo testamento.