segunda-feira, janeiro 01, 2007

eu te digo

eu te digo, o primeiro dia é um amontoado de terra, escura, fria,
cá de baixo respira-se a ouvir o som de uma guitarra, ao longe um piano a ampará-la
(a amparar-me)
eu te digo, o primeiro dia decompõe em humidade tudo o que era seco no lugar certo, está a pesar, tanta terra, eu vou, já te digo onde porei os meus olhos...
contei todas as pedras de dois metros de calçada, os passos da minha infância, os gestos da tua agressão, os teus dedos a isolarem a unha que traça o corte, um risco, um risco quase fundo e tão arriscado cuspir a merda toda que os pratos da bateria explodem por mim …
eu te digo, o primeiro dia junta no céu a saudade do amor e o grito aflito de prazer, a histeria em que fica o corpo depois de se perder o ar…
arrumei a roupa da cama e descobri uma mancha tua, cheia de séculos, uma cicatriz nos meus lençóis, a pedir um luar que lhe dê menos insanidade…
eu te digo, eu vou tomar banho e enrolar o cordão do chuveiro no pescoço para te sentir passado com uma gaja nua de pescoço atado, antes que sem ar de vez, depois, eu te digo, um espelho, um gelado de laranja por vinte escudos, no fim de dia de praia, e afinal uma mulher já feita, posta para aqui a olhar para o que resta de ti, uma mancha na minha cama, mais morta que merda de pombo,
ou pegar numa fotografia e antes dizer:
eu nada te digo e esfrego-me na tua mancha e devolvo-lhe cheiro e passo-me numa pátria de loucura, a dimensão do teu esquecimento, a aflição do teu recado, eu vou, sem te dizer, eu a rir sem parar, enquanto me esfrego toda, a rir sem parar, i know some day you´ll have a beautiful life, a cantar, a gritar, é assim que me passo…
havias de ver.

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