sexta-feira, novembro 03, 2006

eu anoiteço de manhã

é de manhã que começa a anoitecer. finalmente. ou: eu anoiteço de manhã? é de manhã que o silêncio apaga a luz e não de noite, quando o terreno de uma gritaria de imagens com movimento novo se prepara todo numa almofada. duas pessoas suspensas na tábua posta à altura de uma nuvem e o alentejo lá em baixo, a nossa amiga a chamar por nós, que não saltamos, porque a água não tem profundidade. tu, sem medo, explicas isso mesmo e moves o corpo para o limite da nossa tábua, sempre sorrindo. não há vento, nem calor, eu tenho medo. e ela está a chamar por nós.
é de manhã que começa a anoitecer. só de manhã. o silêncio que acolhe o medo do dia sonoro, sonoro, sonoro, de toda a minha noite. ou: eu anoiteço de manhã? nos ossos há elásticos imperceptíveis que os prendem à viagem adormecida, daí a dor no caminhar, a resposta diferida à interpelação casual. é que eu anoiteço de manhã. condenada a dar resposta ao que se me impõe como sendo dia, sem silêncio.
uma força imensa puxa-me a memória para aquela tábua; essa força, de dia, chama-se febre.

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