Ouço sempre este, este, este espaço na tua voz, o sítio onde não sou, onde não somos? Onde não somos. Ouvirás o mesmo espaço, não na minha voz, mas na tua, és tu que o crias, és tu que o queres, na minha voz ouvirás o que temes, o que teimas em temer. Nevoeiro, hoje, e mais um dia para percorrer sem saberes o que faço na tua emigração, por onde ando, por onde choro, por onde te ocupo. És o único amante que não tenho, és todos os que tenho não amando. Estou a doer. Estás a doer. Volta. Como se já tivesses sido. Agarra o dedo que limpa a grainha de laranja que se colou na tua pálpebra e beija-o com humidade. Os teus gestos secos compensados todos nessa voz que cria o espaço para me evadir no homem que chega e que se atreve, naturalmente. Tu nas formas todas que me visitam, durante as horas do espaço que a tua voz, tijolo a tijolo, demarcou para a minha vida.
Ouço sempre, sempre, este, este, este espaço na tua voz. Nevoeiro, hoje, e estás a doer-me difusamente. Vou gritar de fora para dentro, ou vou perder a harmonia da dor e furar o nevoeiro com um grito cheio de prazer. E de sangue. Depois, deito-me na cama que desconheces e vejo embriagada o tecto da tua infância cheio de varejeiras: merda, merda, merda, digo. Deita-te de uma vez por todas, cala-te no espaço onde falas e fala no espaço onde me matas.
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