-Sou EU, entendes?
- O que andas a fazer?
Nós estamos perdidas, eu vim aqui dizer-te isto, a esta hora, depois de acordar no cenário da tua casa, no rumor do teu filho a rodopiar pela sala igual à da nossa avó. Eu vim aqui dizer-te que estamos perdidas, como devemos estar, que a nossa conversa foi uma violência, porque foi o retrato de duas cadeiras vazias e a esperança da força de uma infância a fazer correr qualquer coisa: o nosso desencontro. Estamos perdidas nisso de podermos falar da mesma coisa, sentir a mesma coisa, integrar a outra quando a sua voz decompõe a matéria em desalento.
- De que falas?
Eu ando sempre atrás da infância, por isso andas sempre colada à minha pele, a esta que agora se gasta, para ti inutilmente, para mim melhor que nada, eu ando sempre atrás da infância, lá onde era pequenina, de franja, onde não doía, onde éramos iguais. Eu corro atrás de ti, como há dois dias, por um telefone, e o telefone, há dois dias, era a rampa dos jardins da nossa infância, por isso quando te ligo a gritar SOCORRO, tenho o impulso de quem diz COITO e bate na árvore onde se contava até cem no jogo das escondidas. Mas nesse jogo, tarde ou cedo, lá aparecias; no telefonema, não respondes, não podes, como na outra vez, como em episódios que doem tanto que estão estranhamente inscritos em três textos. Estás sempre retratada nos meus regressos, nas minhas solidões, nos meus desejos impossíveis de que tudo volte a ter a dinâmica da infância.
- Desculpa?
- Não. Sou eu. Eu tenho de pedir desculpa, porque esta vida que seguiu oposta ao nosso plano de há vinte anos faz-me simular a nossa antiga simbiose à hora de agora e não aceitar que estradas tão diferentes não vão dar a terrenos comunicáveis.
Resta-me amar-te pelo que significas, sempre, pelo amor que me tens, que é dos que se tem porque se tem; resta-me evitar passar-te à frente dos olhos os episódios de uma vida que as tuas cortinas não acolhem. Resta-me encontrar-te nos Natais e nos almoços onde moldura alguma nos agride. Nunca mais poderei arriscar correr para a árvore a gritar socorro e ouvir-te dizer ligo já e depois o abandono; nunca mais poderei falar olhando-te no olhar e ver nele uma parede; nunca mais poderei esquecer que nós, como fomos, estamos perdidas.
- O que andas a fazer?
Nós estamos perdidas, eu vim aqui dizer-te isto, a esta hora, depois de acordar no cenário da tua casa, no rumor do teu filho a rodopiar pela sala igual à da nossa avó. Eu vim aqui dizer-te que estamos perdidas, como devemos estar, que a nossa conversa foi uma violência, porque foi o retrato de duas cadeiras vazias e a esperança da força de uma infância a fazer correr qualquer coisa: o nosso desencontro. Estamos perdidas nisso de podermos falar da mesma coisa, sentir a mesma coisa, integrar a outra quando a sua voz decompõe a matéria em desalento.
- De que falas?
Eu ando sempre atrás da infância, por isso andas sempre colada à minha pele, a esta que agora se gasta, para ti inutilmente, para mim melhor que nada, eu ando sempre atrás da infância, lá onde era pequenina, de franja, onde não doía, onde éramos iguais. Eu corro atrás de ti, como há dois dias, por um telefone, e o telefone, há dois dias, era a rampa dos jardins da nossa infância, por isso quando te ligo a gritar SOCORRO, tenho o impulso de quem diz COITO e bate na árvore onde se contava até cem no jogo das escondidas. Mas nesse jogo, tarde ou cedo, lá aparecias; no telefonema, não respondes, não podes, como na outra vez, como em episódios que doem tanto que estão estranhamente inscritos em três textos. Estás sempre retratada nos meus regressos, nas minhas solidões, nos meus desejos impossíveis de que tudo volte a ter a dinâmica da infância.
- Desculpa?
- Não. Sou eu. Eu tenho de pedir desculpa, porque esta vida que seguiu oposta ao nosso plano de há vinte anos faz-me simular a nossa antiga simbiose à hora de agora e não aceitar que estradas tão diferentes não vão dar a terrenos comunicáveis.
Resta-me amar-te pelo que significas, sempre, pelo amor que me tens, que é dos que se tem porque se tem; resta-me evitar passar-te à frente dos olhos os episódios de uma vida que as tuas cortinas não acolhem. Resta-me encontrar-te nos Natais e nos almoços onde moldura alguma nos agride. Nunca mais poderei arriscar correr para a árvore a gritar socorro e ouvir-te dizer ligo já e depois o abandono; nunca mais poderei falar olhando-te no olhar e ver nele uma parede; nunca mais poderei esquecer que nós, como fomos, estamos perdidas.
A minha vida permite compreender a tua. É fácil. E cruel.
1 comentário:
Percebo-a tão bem. Eu sei o que são esses desencontros na vida, sobretudo entre pessoas do mesmo sangue e de quem tanto gostamos. A fotografia fala por si. Um abraço enorme. Estarei aqui para tudo. Sempre.
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