quarta-feira, setembro 06, 2006

84 anos

Às vezes pareces-me pronto a explodir. Mesmo quando sorris, mexes sempre os dois polegares como quem neles circula o que pensas estar por cumprir. Olho para ti sempre que almoçamos e penso que é no teu olhar que nunca sou estrangeira, porque na distância de 54 anos há a proximidade que nunca encontrei nos não-homens da minha vida. Homens que na minha escrita chamo de lobos, porque me magoaram como feras. E lá estás, a fazer circular o mistério da tua ansiedade que é a minha entre os dedos que subitamente são os do teu pai. Há sempre dor no teu sorriso, como há sempre aflição na minha calma.
Aprendi a sabedoria de dizer esta sou eu, sem medo, e queria que soubesses e sentisses que sou tão feliz na nossa ansiedade partilhada como o era após o jantar sentada no teu colo com a tua gravata gravada na minha face. Não há tempos díspares, portanto, entre nós, como um dia escrevi; há antes uma intensa proximidade, calhando apenas que eu falo mais porque conto com a tua prudência e porque sinto que te faz bem o choque emocional feito em verbo.
Sempre que nos sentamos a almoçar, observo-te reclamando toda a tua vida. Pareces-me pronto a explodir, digo. Mas quero explicar que é esse teu estado limite que te torna um ser com o rosto de que não prescindo à minha secretária. Escreves sobre o humanismo e a esperança que é sempre uma criança que nasce, mas no concreto da tua pele não foges, porque não podes, ao pessimismo que te assombra a visão do que esteve para ser e o acaso não permitiu ou do que simplesmente surge preto por mais que um poeta clame por claridade. É essa contradição remoída nos teus dedos que amo. Que faz de ti uma pessoa muito antes de seres um intelectual. E sei que a dor que te não permite veres a evidência da luz que foi, é e será sempre a tua vida sangra de uma ferida que se chama exigência. Hoje gostava que soubesses que sofro dessa ferida, dessa exigência violenta que me não deixa descontrair e reconhecer o que faço, jamais, como muito bom, mas apenas, aqui e ali, como o que pude fazer.
Não trocava a minha ansiedade e a dor dela pela calma feliz que tem o preço da não-reflexão. O mesmo é dizer que gosto de ti sempre pronto a explodir.

3 comentários:

gossip disse...

Adorei...

Lord of Erewhon disse...

Junte-se aos góticos... já temos Grupos de Ajuda... :)=
Dark kiss.

Diogo Ribeiro Santos disse...

Superior.