A Palmira vive longe de nós. Palmira, nesta história, é um nome a traduzir outros nomes, sobretudo a solidão, a solidão pode ser o seu nome próprio.
A Palmira passou muitos anos triste por não ter marido, por não ter uma casinha, como as irmãs, como as amigas, como deve ser, por não ter os seus filhos, como manda a condição. A Palmira descobriu tardiamente o viúvo e os filhos dele, um calor que a faz emigrar para uma outra terra, no mesmo país esquecido, longe de nós.
O marido morreu há 19 anos, os filhos dele são dele, e por isso partiram, como o pai viúvo da mãe, morto há 19 anos. A solidão da vida da Palmira tinha um espaço, esse antes de encontrar a porta, o viúvo e os filhos dele, e quando se cruza uma porta assim, tem-se por seguro que nunca mais se regressará ao espaço onde se é uma mulher sozinha, sem gosto ou causa para aquecer a comida, a comida que para ser de uma casa deve ser feita e aquecida várias vezes.
A Palmira regressa à dor de ser uma irmã, não mais a mulher do senhor Joaquim, e as pessoas, muito poucas, que lhe sobram começam a morrer. Pensa na chegada da sua sua hora, um dia em que não haverá quem se lembre dela, uma mulher calada, hoje posta num terreno longe de nós, de onde sai aos sábados para comprar pão e fruta, um silêncio invisível seis dias por semana, e por isso conta no futuro com quem conta no presente, ela, ela apenas. Compra uma campa num terreno seu, no cemitério, inscreve o que um seu sobrevivente deveria inscrever, ou desejar: à memória de Palmira. Paz à sua alma.
Tarda em morrer. Vai tratando da sua campa, onde se vê mais à fente, morta, como agora, uma fotografia oval. Limpa a pedra de mármore e traz flores para a Palmira a pedir paz.
Pode ser que assim não se esqueça dela. Pelo menos ela.
2 comentários:
Impressiona-me o morrer sozinho, sem um olhar para mergulhar o nosso na hora da partida.
A mim não me assusta a morte. Afinal vamos todos ter com ela um dia. Mas amargura-me a alma pensar que posso morrer sem ter feito a diferença, nem que seja no mais intimo dos aspectos. Posso morrer como a Palmira, mas prefiro morrer com a certeza que fiz algo de bom.
Não me preocupa o esquecimento, podem-se esquecer de mim, mesmo que esteja vivo, porque sei que o esquecimento nunca será total...afinal, como disse uma vez uma grande mulher que eu conheço "nós somos também uma memória".
*
David S.
Enviar um comentário