terça-feira, maio 29, 2007

de noite

tinha o corpo muito curvado, com medo dos espaços que sobram entre as dobras do edredão. nesses espaços o ar arrefece com intenção e o silêncio dele pesa entre os joelhos, entre as axilas, entre o queixo e o ombro, entre ela e ela, um espaço a dizer o seu medo, ou um amontoado de espaços a dizerem que é ela que sobra, ou a dizerem que é ela que lhes sobra; uma dor assim apertada, a noite expande-se pastosa, maligna, por cima da curva que é o seu corpo a suster a respiração, a suster a aflição, a suster a duração limitada do seu equilíbrio; uma dor assim apertada, a pedir muito por uma voz, a pedir muito por um corpo, a pedir muito por uma expiração, a pedir muito por um amparo, antes que solto aquele demónio, aquele demónio feminino, que espreita ocasionalmente, está ali atrás da porta, está ali por cima da cama, está ali por entre as dobras do edredão; uma dor assim apertada, a noite é uma procissão sem velas, ou ela um corpo não velado, ou ela uns olhos a explodirem o grito de terror, ou ela uns dedos comidos na sua guerra meticulosa; uma dor assim apertada, chamada solidão, entre os joelhos e entre as dobras do edredão, o desequilíbrio a qualquer momento, num momento imenso, quando o telefone não toca, uma dor assim muito apertada, com a consistência do medo, com o preço de duas lágrimas, de duas longas lágrimas.

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