A única secção do jornal sobre a qual poderia escrever oferece a Diana, lindíssima, a dar aos olhos interessados o fio dental onde se vai pondo os dedos suados; a Andreia, brasileira, com um busto 40, exótica na nacionalidade, coisa boa para o provinciano que as bate todas em português; a caboverdiana mulata clara, que saberá, na sua triste condição, que apetece a muita carteira comer uma coisa dessas; a Alice, que atende para os lados do Campo Grande, afirmando-se pequenina e de seios grandes; a derrotada ex-modelo de “23 a”, a poupar três letras no anúncio; a Marisa com um rabinho pura tentação, pronta para apanhar as bofetadas e os trocos; a gordinha, discreta no superlativo, porque há gente para tudo; a Raquel de Oeiras; ou a senhora portuguesa, a única que oferece a cara como amostra, e ali uma respiração contida, muito contida.
A única secção do jornal sobre a qual poderia escrever recorda-me que a escrita não pode ser apenas bonita, sob pena de ser uma mentira inútil e recorda-me que um dia escrevi a vontade de fazer explodir atomicamente as paisagens que engasgam esta ansiedade de descrever, de descrever a doença, que é sempre a mesma, a solidão silenciosa de tantas condições, e leio mais à frente acerca dos lucros do jornal com estes anúncios e digo: os lucros dos jornais com estas pessoas.
Este é um belo texto?
A única secção do jornal sobre a qual poderia escrever recorda-me que a escrita não pode ser apenas bonita, sob pena de ser uma mentira inútil e recorda-me que um dia escrevi a vontade de fazer explodir atomicamente as paisagens que engasgam esta ansiedade de descrever, de descrever a doença, que é sempre a mesma, a solidão silenciosa de tantas condições, e leio mais à frente acerca dos lucros do jornal com estes anúncios e digo: os lucros dos jornais com estas pessoas.
Este é um belo texto?
1 comentário:
Belo ou não, acaba por ser um triste retrato de uma sociedade que se afastou de si mesma, que se esqueceu de si mesma e principalmente que se perdeu nas brumas de um passado mais feliz que não voltará. Uma sociedade que vive escravizada pelo dinheiro, e subjogada àqueles que dele fazem uso...umas vezes para o bem, outras nem tanto.
David
Enviar um comentário