quinta-feira, abril 26, 2007

Entras e (não me) sais

Esta dor que sinto hoje, depois de ontem, não é uma dor por dentro,
um sofrimento
é a mesma que se move como uma aflição quando entras por aqui
e me olhas e ficas,
uma imagem: as tuas palavras, enquanto falas, não são uma voz
uma imagem
uma voz, antes, os teus olhos que são os meus, vistos por outro,
há tantos anos,
ébano, os teus olhos, dizia-me.
Esta dor que sinto hoje veio toda do silêncio dos meus olhos,
queimados
E feitos teus
Que bonitos, os teus olhos, pretos de castanhos,
Castanhos quando falas, pretos quando há uma pausa,
Aí, uma queimadura, aquela aflição de que te falava,
Começa a doer com o ritmo de uma aceleração
E sei que não, que não, que não
Sei que te não posso sentir assim
Uma queimadura pelos teus olhos que eram meus há muitos anos
uma dor, quando entras
E me olhas e falas e sentas-te e não dizes nada
Ou tudo calas, de propósito, quando tudo é uma fluência
na tua garganta quieta
Pronta para fugir, para se matar numa língua aflita,
a mentirmos muito, dizendo
Isto é só um momento
E esta dor que sinto hoje, depois de ontem,
que não é uma dor por dentro
Um sofrimento
Tem este ritmo alucinado, uma dor que dói enquanto excita
Ou és tu que me excitas, ou és tu a minha dor,
quando entras por aqui e me olhas e ficas
Depois de saíres
E antes disso, quando estabilizas o olhar
a minha dor a crescer encontra uma porta de medo
Ou um espelho
Ou o medo desse espelho
O meu desejo a perder a postura: o meu medo
Um sofrimento.

3 comentários:

Alexandre disse...

«Que bonitos, os teus olhos, pretos de castanhos,
Castanhos quando falas, pretos quando há uma pausa»

Destaquei estas frases - como podia destacar outras - mas também acho que a cor dos olhos mudam quando a pessoa especial está a falar ou quando está em silêncio.

Aliás, uma das primeiras coisas para onde olho - em certas pessoas - é a cor dos olhos, ou melhor, a luminosidade dos olhos - porque deste modo (e se a intuição funcionar) apercebo-me daquilo que vai na alma dessa pessoa... quase sempre bate certo...

Um beijinho!!!

O Exactor disse...

O artigo na Única estava óptimo não estava minha cara? Espero que sim. Não foi difícil apadrinhar este reencontro...

Isabel Moreira disse...

o artigo na Única comoveu-me. escrito por uma mulher que me conheceu há 16 anos. a minha intenção não é devolver elogios, porque ela não tem necessidade deles e a carreira dela fala por si, mas a rita pode falar de inteligência e de sensibilidade com a autoridade de quem tem as qualidades em causa em doses invulgares.