- estou tão doente, minha querida. que é feito do negro dos meus cabelos?
o outro homem, na cadeira a metro e meio de distância opaca, olha a frase a cortar o ar do quarto e vinca com a sua dor todas as rugas que lhe mascaram as agressões.
- tu tens a beleza e a força da juventude e sim, vê-se bem a tua violência, não te darei o que esperarias de mim, uma ilegitimidade, os meus lábios nos teus, digo-te apenas que estou tão doente, minha querida, que me pesa o silêncio do telefone.
a mulher pousa a mão nos dedos dele, treme, como sempre, a não se atrever no gesto longo sem o medo de quebrar a rotina da solidão.
- arrisca-te, nesta violência, pior não ficas, conta-me todas as tuas mortes.
- essa tua crença nas palavras, que eu não tenho, estou tão doente, minha querida, essa tua crença na confissão, católica, eu não acredito em nada disso.
- o que queres de mim?
- que fiques aí, a ouvir, a dar-me proximidade; eu acredito no poder da proximidade, esquece a possibilidade de uma história, a minha vida tramada, estou tão doente, minha querida.
o outro homem lambe a mortalha e apaga-se do cenário, até ser chamado, um grito numa mão que lhe ampara as costas, a da mulher, que lhe inveja o corpo, o único que o outro não estranha.
- ajuda-me, diz.
seis janelas após o alcool a calar os argumentos; seis tumores sobre o mundo daquela sala: os olhos deles.
a segurança de se receber um corpo novo pela mão de um antigo.
Sem comentários:
Enviar um comentário