bombas, armas, bombas, estilhaços, tiros, um tiro não certeiro, um tiro, o corpo atirado para o canto do sofá, bombas, armas, bombas, estilhaços, um grito a fazer de cogumelo atómico, às vezes um alívio, pode ser um brigadeiro, uma linha de sangue a percorrer-me as costas, passa por lá as mãos e dá-me um dedo a lamber as memórias, bombas, armas, bombas, estilhaços, tiros, o corpo dobrado na ponta do sofá, os nervos à flor da pele, tenho medo de todas as linhas brancas, bombas, armas, bombas, estilhaços, tiros, tenho medo de todos os fumos ilícitos, bombas, bombas, bombas, não tenho medo do momento em que me levas, tiros, tiros, tiros, tenho sempre medo de amanhã, um tiro certeiro, não me chupes lágrimas antecipadas, pode ser um brigadeiro, armas e bombas, bombas e armas, o meu cabelo no chão e uma barata que passa, bombas, uma bomba, um estilhaço, um corpo suado no chão, sou eu.
terça-feira, setembro 30, 2008
domingo, setembro 28, 2008
Exposição de pintura de Zé lourenço
No dia 15 de Outubro, pelas 16h30, na Sociedade de Geografia de Lisboa, inicia-se a exposição de pintura de Zé Lourenço, que decorrerá até dia 19. É imperdível. Tem de se ir cedo, porque em cada dia encerra às 18h. Coube-me escrever umas palavras sobre os quadros em questão e são as seguintes:
A Cidade Regressada
Isabel Moreira
O conjunto de quadros em questão, feitos em técnica mista acrílicos e óleos sobre tela, subordina-se ao tema A cidade regressada. Concretizando, há, em todos eles, uma predomínio do observador próximo dos ângulos, das cores, das fissuras, das geometrias do urbano, aqui e ali assumindo-se aquele como voyeurista de espaços interiores, que por sua vez são eles mesmos interiores de outros – o que aprofunda um olhar quase impossível no quotidiano urbano –, até as tonalidades da proximidade do olhar se poderem perder no limite do céu, que é também o limite natural do urbano respirável.
As fronteiras dos elementos arquitectónicos têm uma analogia perceptível com a complexidade do pensamento, também ele labiríntico e multicolor. É nesta perspectiva analógica que o olhar sobre os quadros é de sobrevoo, isto é, como que o espectador é convidado a perder a gravidade e a planar sobre as imagens, como acontece com o quadro em que uma lua transparece num céu de edifícios em vez de um céu de nada.
Num certo sentido, os quadros poderiam estar deitados no chão e o espectador deitado sobre os mesmos a uma curta distância sem o peso da gravidade. Esta, a gravidade, só não salva - pela força analógica dos espaços cruzados, quadrados, aflitos, uns dentro dos outros - a vida interior de cada um, que se projecta de imediato para cada uma das telas, e nelas se perde, porque a vida de cada um é, como aquelas linhas, intrincada, infinitamente sujeita a aprisionamentos imprevistos e labirínticos.
Numa palavra, ainda que sem gravidade, quem vê estes quadros, se não cai, não pode não se ver neles mergulhado, fazendo retrospectivas e prospectivas da sua própria vida pensada.
Há, pois, aqui uma tese. A cidade regressada é o urbano visto pelo olhar interior, que sendo complexo é ele também urbano e assim (des)configura uma nova forma de ser cidade.
Isabel Moreira
O conjunto de quadros em questão, feitos em técnica mista acrílicos e óleos sobre tela, subordina-se ao tema A cidade regressada. Concretizando, há, em todos eles, uma predomínio do observador próximo dos ângulos, das cores, das fissuras, das geometrias do urbano, aqui e ali assumindo-se aquele como voyeurista de espaços interiores, que por sua vez são eles mesmos interiores de outros – o que aprofunda um olhar quase impossível no quotidiano urbano –, até as tonalidades da proximidade do olhar se poderem perder no limite do céu, que é também o limite natural do urbano respirável.
As fronteiras dos elementos arquitectónicos têm uma analogia perceptível com a complexidade do pensamento, também ele labiríntico e multicolor. É nesta perspectiva analógica que o olhar sobre os quadros é de sobrevoo, isto é, como que o espectador é convidado a perder a gravidade e a planar sobre as imagens, como acontece com o quadro em que uma lua transparece num céu de edifícios em vez de um céu de nada.
Num certo sentido, os quadros poderiam estar deitados no chão e o espectador deitado sobre os mesmos a uma curta distância sem o peso da gravidade. Esta, a gravidade, só não salva - pela força analógica dos espaços cruzados, quadrados, aflitos, uns dentro dos outros - a vida interior de cada um, que se projecta de imediato para cada uma das telas, e nelas se perde, porque a vida de cada um é, como aquelas linhas, intrincada, infinitamente sujeita a aprisionamentos imprevistos e labirínticos.
Numa palavra, ainda que sem gravidade, quem vê estes quadros, se não cai, não pode não se ver neles mergulhado, fazendo retrospectivas e prospectivas da sua própria vida pensada.
Há, pois, aqui uma tese. A cidade regressada é o urbano visto pelo olhar interior, que sendo complexo é ele também urbano e assim (des)configura uma nova forma de ser cidade.
sábado, setembro 20, 2008
fim
encontra-me lá em baixo sem camisa que é como quem diz sem espererança e força-me a tirar o resto de mim para cima de uma mesa ao sabor do meu gin de sempre assim de repente sem pontos nem vírgulas mata-me no fim das escadas contra a parede dos meus sonhos sem pontos nem vírgulas fura-me a pele com a ponta do teu charuto diz-me ao ouvido com a tua insensibilidade fingida cheiras a frango agarra-me o cabelo num gesto todo até eu duvidar que amanhã ainda o tenho e duvida tu da minha certeza de que te estou a dizer adeus assim no fim de umas escadas contra a parede dos meus sonhos sem pontos nem vírgulas sem camisa dói-me o pingar de alcool nas pernas encontra-me cá em baixo a abrir os olhos para uma história com mais chicotadas do que palavras assim sem pontos nem vírgulas vou cair antes de morrermos para te recordar do sangue e da humidade bebe bebe bebe dizes e dizias vou rebolar nos teus braços picados antes de morrermos sem camisa que é como quem diz sem esperança amanhã eu acordo sozinha o sol já morreu ou já te queimou o rosto que antes de cair em cinzas no último degrau esboça um sorriso ao meu grito quando me furas a pele com o teu velho charuto hoje não me moves as pernas hoje encontra-me lá em baixo sem camisa porque sem esperança faz um pouco de ontem e assim sem pontos nem vírgulas inala-me e sai
quarta-feira, setembro 17, 2008
tem o futuro no passado e no entanto está quase morta pela liquidez do amanhã. os projectos a escorrerem entre os dedos como sangue de um corte nas sua extremidades, antes mesmo de terem o corpo que é a palavra projectos. às vezes um telefonema recorta-lhe um sorriso, às vezes o bater da música do engate salva-lhe um choro apátrida. nunca a consistência de uma mesma mão na nuca a dizer estou aqui contigo, nunca o plural.
da sua janela sai uma prancha branca muito estreita e nela um convite ventoso: um salto para o passado.
sexta-feira, setembro 12, 2008
matar o sangue que nos une a quem nos mata
matar o sangue que nos une a quem nos esmaga. eis a aflição de hoje, a de sempre inacabada, aqui pelos poros a sofrer de novo e outra vez o seu parto com dor. abre as pernas a mãe de tanta dor e a sala agita-se com a gritaria infernal do sangue que um dia vai ser um corpo a pedir: matar o sangue que nos une a quem nos esmaga. sair do ventre a bracejar numa sala cheia de água e não de ar, anos a fio sem respirar, ontem a pensar: talvez morrer a dizer: fiquem com os meus restos e não se atrevam a um suspiro rezado sob o meu corpo. a sala agita-se na gritaria recordada e o sangue espalha-se de baixo para cima até ao tecto, para cair em linhas tortas num mapa de maus presságios, uma criança esventrada por palavras a vida toda a dizer um dia: matar o sangue que nos une a quem nos esmaga. adormecer numa cama enorme, enrolada no corpo desconhecido pela vizinha arrogante, chorar sangue como a sua virgem e matar quem nos matou a fechar as pernas da mãe para uma saída cheia de dor, para percorrer a vida a dizer a palavra dor, uma e outra vez, com a pele mesmo em cima do sangue, que é o mesmo do polvo que nos mata.
terça-feira, setembro 09, 2008
domingo, setembro 07, 2008
quarta-feira, setembro 03, 2008
Sonhos III
Tenho cem anos e estou viva.
Tenho 100 anos e estou viva.
Tenho exactamente cem anos e respiro a pensar: ele ainda bate, ele ainda bate, ele ainda bate.
Tenho 100 anos e sobrevivi a todos os ataques e respiro a proximidade da morte sentindo-me viva.
Tenho cem anos e por isso sei que finalmente vou morrer a qualquer momento, mas: ele ainda bate, ele ainda bate, ele ainda bate.
Tenho exactamente 100 anos e os meus órgãos desafiam um passado que se abreviou e não encontro um espelho que me explique este salto para o fim.
Finalmente estou velha, tenho 100, tenho cem anos, penso: vou morrer a qualquer momento, é hoje, estou livre, não me lembro de nada da minha vida, paciência, estou livre, ele ainda bate, ele ainda bate, ele ainda bate.
A minha morte interrompe-se abruptamente por um rosto acamado, de perfil, onde me dói o verbo amar.
A minha mãe ainda está viva.
segunda-feira, setembro 01, 2008
tela de dores
trinta e cinco agulhas entram-lhe pelo corpo adormecido na doença; pela doença. de costas, como que adormece num musical sem dores de recordações e de projecções; pelo meio uma irmã aflita; pelo meio um sono que não vinha há muito tempo. agita as pernas não feridas e adormece e acorda corroída de vontades, a dizer: talvez então viver.
deita-se na tela do seu pintor e começa um quadro do seu corpo reanimado. deitam-se, pintor e uma mulher nus, lado a lado, na tela enorme, e as cicatrizes de ambos fazem os cabelos de um só homem com sexo de mulher. cresce a tela com corpos misturados até um só, ela rebola, rebola, grita: pinta-me, pinta-me, e vai atrirando gin para cima de mim, eis-me nesta tela. ele estende-se nela, passa por ela, estreita-lhe as ancas e diz-lhe: aqui morreste, sabes? oferece-lhe o pincel trincado e pingado para um auto-retrato e ela chupa-o e assume a tinta como vinho e confessa que as trinta e cinco agulhas deram forma ao início das suas pernas por dentro: explode a chorar. explodem a chorar. abraçam-se em tinta preta. ela deita-se nas costas do pintor e pressiona o coração dele contra a tela: aqui mataram-te, ou é aqui que te matas, diz-lhe. deitam-se de lado, um contra o outro, dão os lábios molhados de alcool um ao outro, respiram lentamente cobertos de tinta vermelha a descontar passados e vão parando de chorar até só se ouvir a pintura de um uníssono gemido.
fica quieta, ouve.
olha para isto, suspira.
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