matar o sangue que nos une a quem nos esmaga. eis a aflição de hoje, a de sempre inacabada, aqui pelos poros a sofrer de novo e outra vez o seu parto com dor. abre as pernas a mãe de tanta dor e a sala agita-se com a gritaria infernal do sangue que um dia vai ser um corpo a pedir: matar o sangue que nos une a quem nos esmaga. sair do ventre a bracejar numa sala cheia de água e não de ar, anos a fio sem respirar, ontem a pensar: talvez morrer a dizer: fiquem com os meus restos e não se atrevam a um suspiro rezado sob o meu corpo. a sala agita-se na gritaria recordada e o sangue espalha-se de baixo para cima até ao tecto, para cair em linhas tortas num mapa de maus presságios, uma criança esventrada por palavras a vida toda a dizer um dia: matar o sangue que nos une a quem nos esmaga. adormecer numa cama enorme, enrolada no corpo desconhecido pela vizinha arrogante, chorar sangue como a sua virgem e matar quem nos matou a fechar as pernas da mãe para uma saída cheia de dor, para percorrer a vida a dizer a palavra dor, uma e outra vez, com a pele mesmo em cima do sangue, que é o mesmo do polvo que nos mata.