sexta-feira, junho 26, 2009

(Re)ser

É a dor física que a faz ser ou ter um corpo. Tem uma dor de dentes e diz: tenho boca. Tem um pêlo encravado na perna e diz: tenho pernas. Ou então o sinal de uma memória aflita no esquecimento e diz: eu naquela pessoa, naquela dor. A dor pode ser passageira, não interessa, isto é, há um golpe, um dia, uma semana, um mês de vida que nos fez num outro corpo, noutra boca, noutras pernas. Ou sobretudo: sob um outro olhar. Visita um elevador uma vez por ano, um elevador lento, com demasiadas paragens, formigas que entram, que saem, e senta-se num canto. Levanta-se e parece-lhe encontrar um olhar numa porta quase fechada. Não se lembra daquela pessoa, mas antes dela a ser olhada por aquela pessoa: uma mão: uma voz: um sorriso: um gemido: um elogio: um desejo: uma maldade: tão depressa: tão depressa: ela: tudo isto: demora um segundo. Vira-se para a frente. Vai em frente.