sexta-feira, junho 26, 2009

Por dentro do silêncio

E fez-se o silêncio. Numa cadeira de napa as articulações das suas mãos tremiam, dobravam-se, um, dois, três, a dizerem-se envelhecidas, cansadas, uma unha partida na ansiedade com que fechou uma porta. Sente o suor nas suas costas ou o suor sente-a, desenha-a, um corpo demasiado usado, magro, chicoteado, em tempos abraçado, posto aqui, ali, na cadeira de napa. Leva os dedos aos olhos, limpa as lágrimas e arruma deus num lenço de papel desfeito em excreções, deus enrolado nas duas mãos pousadas agora, então, no seu colo em escamas. Pensa de si: sou uma pobre: olha, levanta a cabeça contra a rigidez muscular do pescoço, olha para a janela e observa uma árvore, mas quer ver uma ponte, um penhasco, um avião, um prédio de oitenta andares, um cabo em cima do mar, a árvore é-lhe imprestável. Diz: vou ter uma semana lixada. Diz: vou ter um dia lixado. Ouve: mais uma etapa da sua vida. Pensa: a minha vida um cigarro ou ela por entre as argolas de fumo. Desmaia no sofá sem amor, começa a sangrar e sonha com o pai.