Estamos a viver o presente e dizes vamos fazer com que isto dure. Quando o dizes tens um odor na tua frase e quando te escuto é hoje, e parece uma impossibilidade que exista um amanhã que faça da tua frase uma relíquia pisada por odores que se mexeram pelo espaço do teu som em tempos que são de repente ontem, um novo hoje, a fazerem de ti antigamente e mesmo assim, às vezes, diluídos numa parede de azulejos falsos ou perdidos nos acordes de um violoncelo o teu rosto quando a porta se abria; o que tens? Desapareces e um pingo de chuva acerta-lhe em cheio na ponta do nariz, reapareces quando o lambe na descida para os lábios, há um homem que lhe assegura recordar-se do seu cheiro a dois metros de distância, a três anos de distância, e há um homem que não usa senão o cheiro que a pele lhe empresta. Estamos a viver o presente e dizes vamos fazer com que isto dure, não dói absolutamente nada, tens a distância das cidades gregas, és o advérbio antigamente, mas rasgas a memória de uma rapariga que não gosta de quem vive bem com uma condenação à morte sem pedir a palavra.
segunda-feira, abril 27, 2009
segunda-feira, abril 20, 2009
praia grande
quem se não lembra do precipício apanhado num instante e de cair num golpe sem misericórdia e de finalmente sobreviver por acaso, depois de engolidos pela onda pesada, inteira, sonora, velha? quem se não lembra de temer morrer e ainda assim arriscar uma paralisia nas carreirinhas que tínhamos como as mais perigosas do mundo? assim se apanhavam ondas, na praia grande. haverá e sabe e soube que há quem se lembre e quem saiba o que é acordar a apanhar uma onda de medo a crescer para um gigante de pânico que nos leva em pensamentos mais velozes do que os métodos que nos ensinaram para os controlar. haverá e sabe e soube que há quem se lembre e quem saiba o que é cair a pique e sentir a dor do embate no corpo, a morte anunciada no pensamento, gemer-se no fundo da areia a dizer-se adeus, para repentinamente vir-se à superfície. ainda a tremer recorda-se o que seja: o sonho da véspera – a rapariga morta ao fundo do corredor emoldurada por uma porta, sentada a sorrir para ela –; a voz que se escuta com atenção a recordar-lhe que a sua luta é maior do que a luta contra um cancro. ou então vive-se uma história: canções que lhe recordam dois ouvidos funcionais, músicas a encherem um automóvel, músicas que fazem a caminhada de uma mulher descoberta nos acasos da sua vida. ou então luta-se e reencontra-se uma pessoa e apanha-se assim uma onda suave até terra firme, alguém que lhe conhece uma sorriso juvenil, anterior a todos os lobos, anterior às carreirinhas assassinas, uma mesa e duas mulheres, às vezes um tremor, às vezes um aviso na ponta dos dedos, mas vence a cumplicidade da memória do afecto que se faz presente e diz-se, no fim: obrigada. luta-se, luta-se, luta-se: caminha de gatas, encharcada, com areia no cabelo embaraçado, até ao início da areia húmida, ainda não seca, mas pelo menos já húmida, e encontra-se o desenho de um sentimento. a parede de pânico quer empurrá-la para trás, mas luta, luta, luta e diz: vou abrir a caixa do correio. haverá e sabe e soube que há quem se lembre e quem saiba o que é.
quarta-feira, abril 15, 2009
a voz
está escuro. a voz que escuta com mais atenção surge-lhe num corpo colado ao dela, que se dobra como dentro da mãe. começa a chorar uma solidão de vinte anos. chama pela voz que escuta com mais atenção.
- não o queria acordar.
- isso é irrelevante.
- são vinte anos a ouvir essa voz e eu preciso tanto dela aqui e agora a sufocar-me com braços e pernas, a não permitir uma desintegração.
- eu gosto muito de si, muito, isso não é uma consolação?
- é, há vinte anos que a voz que escuto com mais atenção é uma consolação, mas a solidão infectou-me os ossos, a pele, a cabeça, agarre-me, passe-me as mãos pelo cabelo.
- eu não conheço esses gestos.
- e se eu morrer antes de a sua voz morrer?
- é esse o meu medo. mas não se morre quando se é amado.
- por uma voz.
- por esta voz.
- não o queria acordar.
- isso é irrelevante.
- são vinte anos a ouvir essa voz e eu preciso tanto dela aqui e agora a sufocar-me com braços e pernas, a não permitir uma desintegração.
- eu gosto muito de si, muito, isso não é uma consolação?
- é, há vinte anos que a voz que escuto com mais atenção é uma consolação, mas a solidão infectou-me os ossos, a pele, a cabeça, agarre-me, passe-me as mãos pelo cabelo.
- eu não conheço esses gestos.
- e se eu morrer antes de a sua voz morrer?
- é esse o meu medo. mas não se morre quando se é amado.
- por uma voz.
- por esta voz.
- não morra.
- sobreviva.
- venha viver comigo.
- eu vivo num país que não existe. e numa casa que também não existe.
- está a doer menos. sabe? alguém pediu pela minha palavra.
- a sua palavra é o seu poder. o seu caminho. o de uma alegria cheia de lâminas.
- venha viver comigo.
- eu vivo num país que não existe. e numa casa que também não existe.
- está a doer menos. sabe? alguém pediu pela minha palavra.
- a sua palavra é o seu poder. o seu caminho. o de uma alegria cheia de lâminas.
terça-feira, abril 14, 2009
sexta-feira, abril 03, 2009
2 de Abril: nota pessoal
A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do país.
A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.
A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, aprova e decreta a seguinte Constituição da República Portuguesa:
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do país.
A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.
A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, aprova e decreta a seguinte Constituição da República Portuguesa:
Escrevo na primeira pessoa e considero que apesar de o relógio apontar já para o dia 3 de Abril, psicologicamente ainda estamos no dia 2 de Abril. Ainda não adormeci. Há 33 anos foi nasceu a Constituição actual e há 33 anos nasci eu, por ironia do destino hoje uma docente de Direito constitucional. Nas minhas aulas fazemos a brincadeira de perguntar o que é que de importante aconteceu no dia 2 de Abril de 1976. Naturalmente, foi aprovada a Constituição, que tem este preâmbulo cujo valor jurídico dá discussão para meia aula. Hoje, fala-se muito na Constituição: deve ser revista; é muito complexa; é asfixiante em matéria económica; em bom rigor, deveria ser substituída por outra; há mesmo quem já tenha um projecto de Constituição com menos de 20 preceitos; é velha; já foi usada e abusada; tem mesmo de ser mudada! Já lá vão 33 anos... Eu gosto dela, a sua complexidade não me assusta, acho que bem lida é muito mais aberta do que se diz, acho que nos serve. Sobretudo, parece-me que os problemas que inquietam as pessoas que falam em rever ou mudar de constituição continuariam a existir caso conseguissem levar a sua avante.
E eu? Eu preciso de ser revista. Ontem fui operada a um rim. Saí do Hospital, muito frágil, para os meus amigos, muito fortes. Mas preciso de ser revista. 33 anos. Vou descansar. Já volto.
Um dia destes.
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