quinta-feira, março 12, 2009

a Voz

são 22h e 55 m. ela pensa talvez hoje a dor ocupe o lado esquerdo da cama e fique quieta e eu possa dormir. navega pelas páginas dos seus livros, tão odiadas pelo familiar de faca na mão, ao fundo vê, como sempre vê, uma ilha deserta, que não lhe dá conforto, mas o desconforto psicanalítico da memória mal escondida de um afogamento lá atrás. na véspera pediu consolação. não: amabilidade. é muito, para muitos.
são 4h e 32 minutos. cai uma lágrima lenta a escutar o coração tum, tum, tum, não dormi, não dormi, não dormi. vira-se de costas para o espelho e vê a voz que escuta com mais atenção, a tantos voos de distância, tão doente, a voz dos seus livros todos, a voz que diz: talvez a ternura nos salve. não se telefona a uma voz; escuta-se essa voz que lhe diz sempre ironize, ironize, e ela a olhar para os pêlos brancos no cimo de uma camisa de pescador, a olhar para as extremidades de quatro mãos que se tocaram pela ponte de um passarinho que pousa sempre nas nossas mesas, não é, meu amor? ela a pensar que a voz que escuta com mais atenção é a voz que escuta com mais atenção porque tem consistência: é amável há 20 anos; é verdadeira há 20 anos; é honesta há 20 anos; é autêntica há 20 anos; não tem outra estratégia que não a da verdade há 20 anos, a voz que ela escuta com mais atenção. às 4h e 34 minutos pede-lhe que ao fim de 20 anos deixe de ser uma voz e que se transforme num ombro. e num ouvido, no qual possa soprar sabes?, mais uma banalidade, mais uma inconsistência, e há um familiar com as veias do pescoço de fora que me não deixa dormir e o meu coração está por um fio.
tum, tum, tum, volta-se de frente para o espelho. sabe o que ouviria: integre a sua condição.
São 4h e 35 minutos, embrulha-se na voz que escuta com mais atenção e a banalidade fica assim: uma banalidade.