terça-feira, março 10, 2009

defesa

o que ela queria mesmo era um cardiologista. não é possível viver muito mais tempo neste estado em que todos os vizinhos lhe escutam as batidas fora do normal. não há cardiologista algum na sua lista de telefones, há apenas a memória do desgosto de uma fúria que o familiar abateu sobre ela e que como sempre teve os seus danos tardiamente a fazerem estragos num coração que bate tanto, tanto, tanto. pelo meio, um homem inesperado que lhe promete e que a faz prometer a frase imatura, usual, mas à conta da promessa e à conta de não haver cardiologista algum, entra-lhe um jovem pela casa que lhe sopra ao ouvido, como um poema complicado, a tua vista é fixe; ela a dizer-lhe calada que a tua função é retirares função ao homem inesperado, mas o comando é muito difícil para a simplicidade de quem só se preocupa com o sol de sábado e com a previsão de um amanhã igual. a tua vista é fixe; lembra-se de um texto antigo, três mulheres e um tapete, e faz a metamorfose do rapaz em rapaz literário: dois amantes e um tapete? não chega, mas ajuda, ele bebe cola, ela bebe água, ele é muito bonito, soletra frases com três palavras, um rapaz bom. (a tua função é retirares função ao homem inesperado, ao homem da frase imatura que sempre se diz). disseste alguma coisa? ela responde que não disse nada e acompanha-o à porta.