quarta-feira, dezembro 03, 2008

proximidade II

a tia afastada-próxima morreu, ouve. morreu, ouve. morreu, ouve. morreu, ouve, morreu, chora.
o verbo é um choque que não mata a pessoa, apenas nos atira para a última vez vimos a pessoa. morreu, ouve. morreu, ouve, morreu, lembra-se: no átrio do hospital a palavra que não disse àquela dignidade comida por um cancro feroz, rápido, e agora as palavras da filha que lhe chegam aos ouvidos: eu não quero viver sem a minha mãe. diria assim: eu não quero viver sem a minha mãe. com esse pensamento abraça a prima afastada-próxima. a morta deitada ainda parecia cansada, de tanto que sofreu; pô-la a andar no átrio do hospital e recordou-se de pensar: a próxima vez que te vir estarás deitada entre quatro velas. um cartão a clamar que God couldn´t be everywhere, therefore he made mothers. abraçou a mãe da tia afastada-próxima, que perdera o marido quinze dias antes, e que misteriosamente lhe dedicou desde sempre um amor intuitivo, uma fraqueza, como diz, e na sua dor imensa, a um centímetro do rosto da filha morta, agarrou no seu rosto, que estava firme, sem uma lágrima, por ela, e disse-lhe: Deus lhe dê forças, minha querida.
(como é que ela sabia?)
saíu dali a tropeçar nas lágrimas de três mulheres.