o que eu queria era derrubar as palavras todas e com elas a gramática, as figuras de estilo, eliminar os adjectivos, inventar tudo de novo, porque não há palavras para a palavra de sempre que é a palavra dor. o projecto falha e tenho de dizer que esta dor dói mais do que as outras porque engana com intrevalos que fazem acreditar na sua derrota, mas ela cai a pesar uma tonelada no sábado de manhã, e sem aviso volta-se ao princípio da doença e ouve-se uma voz que nos diz que isto é cíclico e a nossa voz interior chora por andar nisto que é cíclico há mais de cinco anos. preferias não ter sofrido? ouve-se essa pergunta e sabe-se que não, mas sabe-se também que sim, que quanto a esta dor cílica, que nos nasce na alma, preferíamos não ter sofrido, não sofrer, não ter nascido. fica um deserto de esperança, o optimismo está entalado numa centena de bulas esquecidas nas gavetas dos anos de luta escondida. vai-se trabalhar de manhã e chora-se à hora do almoço e de noite. é-se forte, sim. muito; então em dias como os de natal...