atreve-se, sai do caixão devagarinho, navega para uma sala desconhecida, de peso sente apenas um leve rímel nos olhos, ouve uma história pesada, não esperava por isso, por aquela história, vinda daquela boca, consegue não chorar, enquanto se enterra no relato, porque sai da sua própria dor e entra numa dor anónima, embora agora sua, como sempre faz às dores, dobra-se no sofá, ouve, a história e a música que a anima para viver, ouve também o som do cinto que se desaperta, preciso de afecto, eu também, o copo de água é grande, como a história de dor que escuta, cada vez mais colada à sua pele, sobretudo quando há silêncio, a história continua atrás das suas orelhas, na sua cintura irrequieta, no grito que não abafa, nos lábios que teimam em não se fechar, ser de alguém por uma vez que seja, há muito tempo, pensa, há tanto tempo, preciso de peso, pensa, cola-te à dor que te não contei e entra, entra, entra, fazes depois uma pausa e não sabes que estou a chorar por dentro, que três dias antes, como o 3 do teu quadro, eu estava morta, era só isto que eu queria, ouvir e sentir a tua história e diluir a minha assim.