chegou a única mensagem que não lhe traz nada senão a morte. o dia começou azul fresco numa praia onde ao longe as gaivotas não ameaçadas a deixaram dormir em vez de morrer. às cinco da tarde já viu um filme enrolada numa manta a recordar-se de como a temperatura mudou entre o meio-dia e aquela hora: começa a pensar e a fumar. está descalça e o coração acelera sem aviso. o silêncio é tão espesso que as lágrimas correm de fora para dentro. lembra-se do princípio dos três dias que matam as semanas e não sente calor. lembra-se da única mensagem que não lhe traz nada senão a morte. à hora do almoço sorria com um amigo e uma voz interior perguntava-lhe se pensava mais na morte ou se pensava mais na velhice. quando chegar a velha os vizinhos terão paz. mas a sua voz sussura-lhe que não verá num espelho uma velha. não recebe a carta que lhe daria talvez uma semana de vida. não recebe a mensagem que lhe daria talvez uma hora de alegria. chegou a única mensagem que não lhe traz nada senão a morte. morde a língua para fingir que quebra o cimento do silêncio. quando era pequena, havia a missa das sete. agora bebe um copo à mesma hora. de manhã, bem vistas as coisas, já estava enjoada. secou-se após o banho a ver a sua amiga morta mesmo antes de rumar à praia. fazia o creme circular à volta dos olhos e via aqueles olhos verdes. hidratava a boca seca e ouvia a boca da amiga morta falar da certeza da vida eterna. então perguntou-se nua se a amiga morta ainda a amaria integralmente, agora que podia ver tudo o que por cá fazia. esse pensamento foi o roupão a cobri-la da tristeza que cresceu em silêncio pelo dia fora. quase seis da tarde e a dor, ou o vazio, que são sinónimos, é enorme.