Está à beira de um ataque. Um ataque é uma loucura instalada a prazo nesse corpo. Ser a prazo não alivia em nada a dor do ataque, porque nesse prazo a dor é infinita, mas hoje o espaço é o que se sente antes, mesmo antes do ataque.
Está onde deve estar. O que inicia a sensação real de peso interior é estar onde deve estar. A sua pele, os seus olhos, pior, o seu olhar, tudo isso deve estar aqui, onde um computador dita ordens por cumprir e onde uma porta se abre de dez em dez minutos a marcar a normalidade que é isto: trabalhar.
O que seria normal, no entanto, está a dizer-se por dentro, mudo, mas com a força de uma gritaria numa sala almofadada, um quadrado perfeito, branca, muito só. O que seria normal está a desenhar uma fuga: o carro aqui tão perto, pensa, era só ter forças para chegar a ele, acelerar, passar a cancela, entrar em casa e mergulhar na prisão voluntária da sua cama, ali onde vomita o peso do medo e hoje, particularmente, o peso do cansaço, que também é medo.
(Tudo é medo).
Não quer morrer. Quer adormecer. Parece simples este querer, mas não é, porque o demónio do quotidiano sai-lhe pelos lábios verbalizado num sim, claro, almoço às horas tal e tal.
Engole um remédio branco para aliviar a exigência de descanso que saiu do remédio azul e para poder circular sem cair dos saltos dos sapatos, a pedir aos gritos que a levem daqui para um lugar onde possa dormir; não é morrer, é dormir.
Os sonhos da noite passada estão magoados por uma voz materna que lhe diz estás louca, é esse o sonho que treme nos nós dos dedos e que se interrompe quando o rapaz entra na sua sala e pergunta: estás bem?
Não mente, diz que está como está, mas a resposta sem a fronteira da sobrevivência num vestido, mesmo de algodão, seria assim: hoje estou com a cabeça pesada, mas pesada num sentido que não dá para esvaziar em palavras. Olha, estou com o peso que me avisa que a qualquer momento vou gritar e dizer eu não posso mais, eu ando para aqui cheia de medo e de mortos às costas, a minha cabeça parece uma areia movediça e engole-me pelos pés. Vou ali e já volto, mergulhar no mar, ou numa cama, e preciso de chorar muito, e preciso de ganhar coragem e dizer que este ano devia estar sossegada e não fazer mais que isto. Eu odeio chegar a casa às onze da noite com medo do meu corpo, do meu corpo dentro da minha cabeça. Eu preciso de fugir de mim, da minha família, do sangue lento que é a dor de todos eles, eu preciso de fugir das minhas plateias, eu preciso de agredir a ausência a que me agarrei tantos anos, e que se chama Deus, esse filho da mãe, literalmente, e culpá-lo de tudo, foder a pensar nele, ou Nele, já viste que alívio e que dor culpar uma ausência por esta merda toda?
É isto. A dor antes do ataque é assim.
Está onde deve estar. O que inicia a sensação real de peso interior é estar onde deve estar. A sua pele, os seus olhos, pior, o seu olhar, tudo isso deve estar aqui, onde um computador dita ordens por cumprir e onde uma porta se abre de dez em dez minutos a marcar a normalidade que é isto: trabalhar.
O que seria normal, no entanto, está a dizer-se por dentro, mudo, mas com a força de uma gritaria numa sala almofadada, um quadrado perfeito, branca, muito só. O que seria normal está a desenhar uma fuga: o carro aqui tão perto, pensa, era só ter forças para chegar a ele, acelerar, passar a cancela, entrar em casa e mergulhar na prisão voluntária da sua cama, ali onde vomita o peso do medo e hoje, particularmente, o peso do cansaço, que também é medo.
(Tudo é medo).
Não quer morrer. Quer adormecer. Parece simples este querer, mas não é, porque o demónio do quotidiano sai-lhe pelos lábios verbalizado num sim, claro, almoço às horas tal e tal.
Engole um remédio branco para aliviar a exigência de descanso que saiu do remédio azul e para poder circular sem cair dos saltos dos sapatos, a pedir aos gritos que a levem daqui para um lugar onde possa dormir; não é morrer, é dormir.
Os sonhos da noite passada estão magoados por uma voz materna que lhe diz estás louca, é esse o sonho que treme nos nós dos dedos e que se interrompe quando o rapaz entra na sua sala e pergunta: estás bem?
Não mente, diz que está como está, mas a resposta sem a fronteira da sobrevivência num vestido, mesmo de algodão, seria assim: hoje estou com a cabeça pesada, mas pesada num sentido que não dá para esvaziar em palavras. Olha, estou com o peso que me avisa que a qualquer momento vou gritar e dizer eu não posso mais, eu ando para aqui cheia de medo e de mortos às costas, a minha cabeça parece uma areia movediça e engole-me pelos pés. Vou ali e já volto, mergulhar no mar, ou numa cama, e preciso de chorar muito, e preciso de ganhar coragem e dizer que este ano devia estar sossegada e não fazer mais que isto. Eu odeio chegar a casa às onze da noite com medo do meu corpo, do meu corpo dentro da minha cabeça. Eu preciso de fugir de mim, da minha família, do sangue lento que é a dor de todos eles, eu preciso de fugir das minhas plateias, eu preciso de agredir a ausência a que me agarrei tantos anos, e que se chama Deus, esse filho da mãe, literalmente, e culpá-lo de tudo, foder a pensar nele, ou Nele, já viste que alívio e que dor culpar uma ausência por esta merda toda?
É isto. A dor antes do ataque é assim.
Eu não quero morrer. Eu quero, eu preciso de adormecer.
7 comentários:
Crie. Crie a sua normalidade. Fuja desta merda toda e aligeire a cabeça. Mas também isso é medo. Também aí se lhe é barrada a fuga da normalidade. É normal querer fugir. É normal ficar. É vencer ser A-normal. que se quer. ou consegue.
Dormir é perder tempo.
Devia mesmo ser considerado definição de gastar minutos.
Fuja, adormeça, confronte o ataque. Grite onde ninguém a pode ouvir, grite até deixar de se ouvir, até se embalar e converter o grito na canção de embalar que merece. Não estamos sempre à beira de um ataque, nos braços de um medo qualquer? Se calhar não... Se calhar quem é normal e se deixa incubar toda a vida nas rotinas de uma vida tranquila, sem sobressaltos, nem fraquezas, nem fugas, nem desejo delas apenas não sabe que está preso. "Estás bem?"... Talvez. Ainda assim, celebremos a vida, mesmo que nos pareça um jogo viciado e sem as nossas cartas favoritas. Bons sonhos, obrigado pelos textos novos. (Desculpe o ter-me alongado)
minha querida
fazes-me falta
NÃO! Vive. Vive acorda perdoa come bebe fuma pensa nele e Nele e escreve e escreve muito. Não pares.
Proibem-nos do sim (de fugir) ou permitem-nos apenas o não (não-fugir)?
Tente-se explicar a teoria a um condenado no corredor...
Às vezes apetece inferir a teoria da prática - fugir só depois pensar.
digo
vou parar agora
e paro
assim quase em segredo
sem alvoroço ou encantações
porque há um silencio
entre o meu corpo e eu
espera assim muito quieto
o polen
vindo de outras regiões
zech
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