segunda-feira, outubro 29, 2007

Memórias

Um dia encostou a cabeça nos meus joelhos. Quinze anos depois, uma frase de alguém a dizer-nos o que se não ouve: eu estou ali com a tua cabeça nos meus joelhos, enterro os dedos num cabelo muito espesso e espero. O gesto foi apenas esse.
Há pouco tempo dizia-lhe: se tu morresses seria como amputarem-nos um braço. Dias depois, é ela a amputada. Quase a chorar sobre uma lápide e num ápice é já de manhã, houve um serão entre parêntesis, gostava de te ver decomposta? Diz não, pousa os joelhos nas datas brancas e de manhã a tua morte interrompe-se: sou a mãe dele. E numa frase assim começa a escrever: um dia encostou a cabeça nos meus joelhos. Quinze anos depois é o mesmo corpo, talvez mais bonito, e pensa: que bom seria beijar-te.
Ele regressaria à sua vida sem a possibilidade de sentir a dor daquela morte. Dir-te-ia: morreu-me uma mulher. Então, talvez com a cabeça encostada no meu peito nu, me pudesses dizer: fala-me dela.

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