segunda-feira, setembro 27, 2010

Pinheiros

Talvez fosse Maio e o seu corpo repousasse como nunca ali onde às vezes são outros os sons, outros os passos, animais e visitantes que não os dos seus dias; talvez fosse Maio, cigarras, grilos, que nomes dar àquelas coisas que faziam um musical murmurado?

(um dia o Homem disse-lhe que preferia o campo ao mar – o campo tem mais nomes).

Talvez fosse Maio, parece que sim, recorda-se de uma brisa, de um antes e de um depois, de esse tempo ser apenas reflectido no sangue a correr mais depressa ou num ruído acrescentado ao dos bichos, ao do feno, ao do abanar leve da copa dos pinheiros

- A minha mãe junta amor aos pinheiros, teve saudades deles quando emigrada, é deles que fala quando descreve Roma, olha que lindos aqueles monumentos na várzea.

Talvez fosse Maio, não se recorda de picos no corpo, recorda-se da singularidade de um outro corpo ser-lhe contíguo, isto é: não era só um depois distante, um depois para ir embora, um depois para encostar as costas ao peito, era um corpo contíguo, isso: podia temperar os olhos desse homem numa tigela pequena de barro e deitar fora os caroços, por isso nada mudou em adjectivos, em nosso redor, em redor deles, nada mudou em adjectivos: pinheiros; erva; várzea; cigarras; e grilos, o cenário ficou com o que dele diríamos antes, o que mudou foi aquela contiguidade, daí que acrescentássemos sem estranheza silêncio ao silêncio, e o que merecia adjectivo era o sermos encosto sentido um do outro, tão sentido que um carro parou mas não parou e disse talvez.

- Quem era aquele rapaz tão bonito?

(uma história tão longa, meu amor)

Ela rompe a chorar porque não entende de que cidade da Estónia chega a voz na terceira língua. Uma voz a interromper as cigarras e os grilos, uma voz é uma história, outro fim assegurado, quero tanto que me agarres, pois claro, e és tão interessante, este diz és tão latina, que coisa tão estranha, uma mulher latina a tratar de ser expulsa, que dizes, Estónia? Que fará esse homem na Estónia, como era o sorriso dele, não se recorda de um Maio, recorda-se de se não lhe adivinhar as dores. Nada conseguiu ouvir sobre o que queria saber: queria saber acerca das árvores da Estónia.

As pessoas andam muito ocupadas

- Uma língua a subir-lhe a barriga e a dizer-lhe que ela é isto e aquilo.

Uma porta a bater.

O rapaz bonito apanhou um barco.

Só para ela os pinheiros terão cheiro.

1 comentário:

pmaf disse...

Isabel,
O texto do dia da Mãe é extraordinário.
Continua a escrever estes textos maravilhosos.
bjs
Pedro