Esteve fora e hoje parece-lhe que nunca saiu do parapeito da janela
Lá onde se acumula o pó a contar a sua ausência
E hoje a dizer-lhe: regressaste e olha o que fizeste
O que nos fizeste
Ou: por onde andaste?
Andou por um lugar qualquer e desses dias interessa apenas
O instante em que olhou o céu
Estava caída numa areia branca muito preta pela noite
E não sentiu absolutamente nada
Sorriu para umas palavras que lhe chegavam de cima
Numa outra língua
Não as ouviu
Ou ouviu o rumor delas a não atrapalhar aquele céu
E pensou: eu, aqui.
Depois voltou e disse
Estive fora e parece-me que nunca saí do parapeito da janela
Estou para aqui decomposta neste pó que me conta a ausência
Andei por um lugar qualquer a amassar-me toda
Um dia deixei de respirar
Depois dormi muito e nadei o mais que pude
E houve o instante em que olhei o céu
Cheio de estrelas mudas, estava tudo muito quieto
E eu não sentia nada, nada, nada
Olhava e pensava: eu, aqui.
2 comentários:
Enquanto pensava, numa qualquer coisa (como sempre?), perdia-me. Perdi-me, perco-me, e hei-de perder-me eternamente. Porque penso, porque sou. Porque mudo, sem deixar de ser eu, aquele eu que não sei ser, porque não consigo pensar sem chamar demasiados "eus" à dança.
Só não pensando, não sendo (um dos meus eus), sou. Porque todo, porque tudo! Porque nada.
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No "pó" que contava a sua ausência houve mais de si do que em muitos momentos de ávida leitura. Houveram muitas Isabel nos seus leitores, feitas posts já escritos, feitas posts por escrever, feitas pura ausência. Feita nos outros. É que também provoca muitos eus nos outros.
Está de volta. Ainda bem!
Gostei muito deste post. "... decomposta neste pó que me conta a ausência..." é lindo. Faz-nos pensar. E senti que o céu deve ser mesmo mais bonito do parapeito da sua janela. Porque acredito que é lá que encontra a sua segurança e o seu equilíbrio. Lá onde o pó também conta a ausência, mais ou menos prolongada, dos seus cotovelos.
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