quinta-feira, novembro 29, 2007

A funcionária

Quase invisível, dir-se-ia, a sombra de lãs neutras, ali sentada, há trinta e cinco anos. Calhou que os olhos eram olhos de chorar aflito e ela ali a passar encontrou-se nesses olhos, daquela sombra quase invisível, dir-se-ia, uma sombra de lãs neutras. Precisava apenas de uma pergunta – o que tem?- para desensombrar-se num choro então audível, explicando a dor de ouvir uma repreensão injusta depois de trinta e cinco anos a sorrir por fora. Ali, de repente, no espaço de um corpo quase invisível, uma revolução: o parto das dores de uma vida inteira, vida subitamente revelada como uma introdução à mágoa de hoje, Angola abandonada, marido morto tão novinho, uma vida de viúva sozinha, de filhos seus e bastardos por criar, sempre perdoando, e agora isto: uma repreensão injusta a matá-la de vez.

1 comentário:

P disse...

E aos que têm o fado de abrir essas barragens de lágrimas alheias? Sucede-me vezes sem conta, dizer a palavra catártica para o outro mas pesada para mim. Tão pesada que, há uns dias disse a alguém: "Não vais chorar! Não aguento ver mais pessoas a desabar em lágrimas à minha frente hoje!" Chorou. Há dias assim, felizmente não são todos.
Abraço
P.