quarta-feira, junho 06, 2007

Intervalo

Os dias perderam-se numa torneira ferrugenta
E sinto o gotejar deles, os dias, dia-a-dia
Numa torneira ferrugenta, a minha garganta
A minha memória feita em cano cheio de atritos
Os atritos a sentirem aquele gotejar neles, por eles
Protection – Massive Attack, ouço
Por um fio, massive, massive attack, penso
Os dias são plurais, não por serem muitos
Uns atrás dos outros
Os dias são muitos porque tudo isto e eles também
Pesa de mais
Um mais um são dois a pesar, são dois a doer
A corroer
Pingos muito lentos, de noite, na minha cama
Cada dia mais difícil, cada noite mais escura
Mais pesada
A pedir protecção, a pedir por uma protecção
Cansada de medo: massive, massive attack
Até que acontece qualquer coisa
Uma mesa muito familiar, a hora antes da hora
Das outras mesas
E uma pessoa que me vence o tremer e o temer
E há um desejo forte de ficar ali para sempre
Ou ficar para sempre como ali
Sem tremer nem temer
Hoje é dia de intervalo, penso
Os dias uns atrás dos outros caídos numa torneira
Numa torneira ferrugenta, a minha garganta
O meu corpo, a minha angústia, isso: a minha vida
Mas hoje é dia de intervalo
E ainda se dá o caso de ter dado por não haver sal
Na minha mesa familiar
E de ter recordado o sal que ali fazia falta
Nuns poros tão aflitos como os meus

2 comentários:

P disse...

texto de leitura empolgante, de um fôlego

rita disse...

nunca é dia de intervalo. mas, de vez em quando, é bom pensar que sim...

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