quinta-feira, maio 07, 2009

Maria

Lentamente afasta-se de um rosto insuportável. Entra no elevador, carrega no andar de sempre, mas não desvia o rosto do espelho e nele encontra uma história a diluir-se. Diz: felizmente. O rosto pestaneja todo com os olhos e de cada vez uma morte, duas mortes, várias mortes, e a eternidade de Deus a sobrevoar as promessas do passado. Saber que Deus não teve nada a ver com as linhas quase invisíveis e para ela tão vincadas, em redor dos olhos, mas saber que Deus é a ausência a que mais se apelou, a mais culpada. Há um gemido, um som vulnerável, quando apanha o cabelo e pronuncia um nome. Despede-se lentamente do peso que vem sendo a sua casa e expõe-se ao peso de se libertar desse peso. O novo peso é a construção do amor. É esse o som que a desequilibra entre dois andares, desvia-se do espelho e diz: já não me chamo Maria, esse nome que não é de ninguém. Adeus e a Deus, fica nela o conhecimento de um novo nome. Decompõe o medo durante o dia, às vezes curva-se e diz quem sou eu?, sabe já não ser Maria, abriga devagar uma nova identidade, abraça-a com coerência, mas sem ter pendurado um novo espelho. E já escreveu: o amor é uma dor. Ou não seria.