segunda-feira, março 19, 2007

o espaço que fica de onde se parte

parece-lhe por estes dias que todas as perdas são ecos do teu adeus, até perder um autocarro dói, uma frustração a construir uma úlcera, e tanto medo a cobrir movimentos, que medo de atravessar a rua, pensa;
nunca desistirá dela, nem mesmo no dia em que se olha no espelho e vê uma memória apenas, ou menos que isso, ou mais do que isso, as perdas todas a fazerem a curva do seu ombro, a ligeireza dos seus braços, os ossos postos a descoberto quando inspira. nunca dirá chega, isso vêm dizendo tantos, uns passos apressados nas escadas da sua casa, às vezes passos que se tornam domésticos, a prometerem um sorriso, uma esperança, uma pessoa;
sempre se silenciam os passos, fica só um espaço mais abrangente para se chorar, o espaço onde afinal nada, mais uma vez, aconteceu. talvez te pudesse explicar que (sobre)vive-se melhor a arranhar a pele aqui e ali sem promessa alguma que a deixar alguém visitar-nos o avesso da pele, para depois partir, e recordar-nos com violência que somos o que somos e que nada nos salva, ninguém nos salva, ela é uma história de abandonos e derrotas, e às vezes esquece-se de que está sempre em si, e nunca no outro, a saída do inferno.

sábado, março 17, 2007

um dia vou ser mais velha do que tu

distribuir a tua imagem pelas imagens muito tuas, atravessar uma lente, como que pondo o teu rosto sob análise, aqui de afectos, hoje as rugas que no Verão passado descobri, pequenas, a nascerem em redor da tua boca, uns traços quase invisíveis, não para mim, que te olhava vendo-te, é assim que se ama, dir-te-ia agora, ao que tu responderias:
- és tão tu.
vi esses riscos muito submergidos na juventude absurda que era o teu espectro, e pensei que estava ali o anúnicio dos cafés dos Verões de anos à frente, sentadas nas mesmas cadeiras, e então olharia para cortes vincados a empurrarem-te os lábios gretados e confessaria:
- sabes que há vinte anos vi a tua velhice anunciada?, ao que tu responderias:
- és tão intensa.
agora estou aqui sem ti, e às vezes apetece-me não ter cuidado algum com as palavras e dizer como aceitavas sempre que eu dissesse, o mundo é fodido, só que o digo a chorar, porque serás sempre nova, tinhas mais oito anos do que eu e um dia vou ser mais velha do que tu.

domingo, março 04, 2007

até sempre, minha querida

não há como atar à volta do meu coração cordas tão fortes que o agarrem na tua ausência. essa força seria a que o tempo dá à saudade, acalmando-a, mas tu nunca serás uma recordação, minha querida, porque a tua força é seres, mesmo de partida, o mais intenso poema que me visitou, e esse, numa estrada segura, não se dissolve.
talvez se dissolva apenas o verde dos teus olhos no castanho dos meus e o mundo me surja mais sentido; nele uma consciência nova que me consola, onde a tua morte se transforma no amor que ponho com mais força, por ti, e em ti, nos nossos gestos.
obrigada, minha querida. continuamos de mãos dadas.