quarta-feira, dezembro 10, 2008

s. t.

agarra o braço da mãe com muita força e caminha pelas ruas de Praga. ampara braço e corpo dessa maneira, sem ter prazer em nada, numa visão que seja, uma solidão demasidao ruidosa, uma outra cidade, inventada, por dentro, com as suas esquinas a acabarem todas numa prancha para saltar: a morte. as copas das árvores abanam e assobiam a palavra morte ou o verbo morre, toma consciência da perna direita e da perna esquerda, aflige-se até chegar ao hotel, para então curvar-se toda no seu desejo de saltar e agarrar o corpo da sua mãe com muita força e confessar-lhe ao ouvido que em minuto algum daquele passeio fez outra coisa que não treinar a sua morte: não aguenta mais, mãe. há um homem ao telefone que lhe sopra a certeza de que isso passa, que só ela não vê que a dor medieval que sente é provisória, que de fora é fácil ter uma outra certeza que se chama vida. ela diz-lhe que a sua provisoriedade vem sendo eterna, que não aguenta o peso de uma folha outonal, um sorriso estrangeiro numa sala anónima, um restaurante que lhe roube a segurança do quarto escuro, a maquilhagem que a impede de chorar.
mãe, eu vivo no inferno.
por ti.