Ela vem de uma estrada que lhe comeu as solas dos pés; está flagelada, um Cristo feito mulher caindo para a direita e para a esquerda, para a direita e para a esquerda, é tanta a poeira no ar, fecha os olhos com força, sabendo-se há muito cega, cega, cega e a tombar, mas anda como se aguenta, uma música, um poema, a recordação do único beijo sem requisitos, a poeira infecta as chagas daquele andar, ajoelha-se por uns minutos, que são um ano ou dois ou quatro, e cospe nos dedos de unhas partidas; passa os dedos molhados pelos joelhos todos uma crosta em construção e recorda-se quando a brisa fura os eucaliptos e depois o seu cabelo, recorda-se de um pedido junto ao ouvido, um pedido amado, um pedido a amar, o seu corpo tão excitado, sem entender ainda tanta humidade conduzida com amor, então a voz pedia-lhe que molhasse os dedos e que os enfiasse nela, e assim fazia, aflita, nervosa, o mundo acabara ali, ali nesse gesto de cuspo, o mundo acabara ali, ali disse que teria um telefone novo, que teria uma agenda nova, que teria uma rotina nova, que teria uma morada nova, que teria uma cidade nova, que ficaria por aqui, que seria esta mulher regressada afinal ao mesmo Tejo, à mesma Alfama, ao mesmo inferno feito céu num dedo húmido a pedido; foi assim que o mundo acabou e foi assim que um dia a mulher descobriu que tinha os ossos de fora, tão novo isso de amar que emagrece, emagrece, e depois a aflição, regressar à copa dos seus milhares de eucaliptos para morrer vivendo, dizer adeus amando, prometer andando de costas, chorar descontroladamente e esfregar urtigas no sexo, na boca, e ver sangue e poeira e perguntar na terceira pessoa pelo reconhecimento desta mulher ferida feita Cristo ajoelhada. Eu?