perguntou-lhe entre os ruídos de um meio de comunicação revelador da distância de tantos continentes o que fazes amanhã e a mulher respondeu como num telegrama da segunda guerra mundial que faria nada de especial, mas pressentiu uma imprudência chamada desejo, calou-a, no entanto, que silêncio depois de uma resposta cheia de riscos?, isto é, cheia de interferências a cortarem duas vozes, ou que contra-resposta?; e se amanhã? veio então a proposta chamada desejo, com ponto de interrogação, um avião, dois aviões, três aviões, quantos forem necessários, e se amanhã?, e a mulher já a ver um amanhã, o amanhã, as vozes que podem dizer tudo, porque a voz vai sempre à frente dos corpos, as vozes feitas uma presença, duas pessoas, um homem e uma mulher, muito tarde e um aeroporto, numa língua em que se entendam, um comprimido para ansiedade, a palavra do desejo dela, um dia inteiro, um século lento à espera da noite escura no aeroporto, qual era mesmo a cidade de onde vinha o avião? unhas comidas, ou as peles em redor delas, pesa-lhe muito o cabelo longo, cada mulher que sai pela porta é o homem prometido, assim mesmo, as saias são calças com pénis vincados, as blusas abertas têm peitos amputados, tudo é ele, tudo és tu, esse desejo impudente, um avião, dois aviões, três aviões, quantos forem necessários, o amanhã é agora, eis que te vê sair por uma porta, és diferente da voz com interferências, espera-os e espera-nos vinho e queijo de Azeitão, amanhã três aviões de regresso às interferências, um hoje eterno é tudo o que o desejo impõe ou pede ou deseja, tens um sorriso muito inocente e quando não gritas gritas muito e sais e ela fica com a casa povoada.