quarta-feira, maio 30, 2007

de manhã

levanta-se o medo da almofada e a besta assume a forma de meio crânio. é ali que pesa, é ali que insiste em enlouquecê-la quase, em bater-lhe quase, em matá-la quase. os gestos de sempre, de manhã, palavras gastas, os gestos de sempre, tomar banho, com medo, medo, medo, medo, palavras gastas, o ralo da banheira, já o escreveu, já o temeu, já se morreu ali, o carro, sempre o carro, palavras gastas, a música a ferver, hoje de manhã, fervia muito, cantava mais alto que os pregos a começarem no seu colo, a fazerem-na trepar-se por eles, até ao céu, perder o chão. não está a escorrer nada, nada, nada do que sente, este medo, estes pregos, a ferrugem deles seria boa, agora que pensa, esfregar-se toda nela, e sentir, que é como quem diz sentir-se, que é como quem diz salvar-se. todos os dias uma guerra, uma guerra com o medo como sangue, o desequilíbrio como inimigo, o desequilíbrio como ocupante, uma potência, uma guerra tão sofrida, pai, uma guerra tão violenta, mãe, e de manhã apetece muito desistir e dar o crânio ao inimigo, ou oferecê-lo a uma nova pátria, e depois de um longo e enlouquecido grito chorar, chorar e chorar no ombro que escuto com mais atenção.

1 comentário:

P disse...

Forte. Lê-se e fica-se... tudo menos indiferente e isso faz toda a diferença e traça a llinha que separa a vida da morte, de uma qualquer morte.